Nem sei por que tenho medo, só sei que tenho medo. Medo de sair de casa à noite, de andar na garupa da moto; tenho medo de levar um fora, de ser chamado a atenção. Tenho medo de falar com estranhos, de falar de mim mesmo. Tenho medo de perder o emprego, o serviço, a gratificação, o cargo, meu outro contracheque. Tenho medo de gato preto, de passar por baixo da escada, de gente que olha fixo em meus olhos. Tenho medo de perder minha boquinha, a carona do vizinho; tenho medo de atender ao telefone, de abrir a porta. Tenho medo de perder minha rotina, de beber água em casa alheia. Tenho medo do chefe, da mulher do chefe, do filho do chefe. Tenho medo de ficar só, de não ter com quem conversar; tenho medo de dar uma informação, de prestar socorro, de ser solidário; tenho medo da coragem dos outros, de não poder mais puxar o saco de quem tem mais do que eu. Tenho medo de ferir os outros, de dizer a verdade, de ser diferente. Tenho medo de ter estilo, coerência, respeito, paixão. Tenho medo de plantar árvores, mas adoro uma sombra. Tenho medo de escrever um poema, uma história, cantar uma música, contar uma piada. Tenho medo de dar um depoimento sobre minha cidade, de ser história, melhorar de vida. Tenho medo de não poder mais ter medo. Tenho medo de gostar de quem gosta de mim. Tenho medo de experimentar o novo, de usar meu conhecimento para ajudar alguém. Tenho medo de abrir os currais opressores de minha terra, soltar os cachorros, desatar os arreios, cortar os cabrestos; tenho medo de abrir minha cabeça. Tenho medo de empurrar o carro que ficou no prego. Tenho medo do que vão falar de mim, de pensar que não sou eu mesmo. Tenho medo de reunião, de debater, argumentar, participar, discordar. Tenho medo de saber quem sou, de ser eu mesmo. Tenho medo de rir, chorar, parecer ridículo, amar, ser feliz. Tenho medo de acabar com o atraso, com as fofocas, de ter o que fazer. Tenho medo do progresso. Tenho medo até de ser eu mesmo. Incrível, só não tenho medo da morte.
Por: Joaquim Lopes Saraiva - Jornalista.
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