Poucos já estiveram por lá, alguns ouviram falar, mas não sabem direito onde fica e outros desconhecem totalmente. Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil, ainda existe um pedaço do litoral nordestino a ser descoberto. O lugar tem praias incríveis, 78 ilhas, mangues com muita vida selvagem e sol o ano inteiro. Trata-se do Delta do Parnaíba, um rústico refúgio onde é possível desfrutar da mistura das águas do Oceano Atlântico com rios e igarapés, percorrer trechos ainda desabitados e se deliciar em dunas que chegam a medir 40 metros. Essa bela e esquecida porção de litoral está exatamente entre os Estados do Piauí e do Maranhão e é considerada o único delta em mar aberto das Américas. Visto do alto, o Delta do Parnaíba parece o desenho da palma de uma mão, pois o rio se divide em cinco “dedos”, cujas águas desembocam no oceano. No sentido oeste-leste, eles têm os seguintes nomes: Tutóia, Melancieira (ou Carrapato), Caju, Canárias (todos maranhenses) e Barra do Rio Igaraçu, que desemboca no município piauiense de Luís Correia. Para desvendar os segredos desse trecho do litoral nordestino, peguei uma lancha na agradável Parnaíba, ponto de saída dos passeios pela Delta. É a maior e mais bem estruturada cidade da região, localizada no extremo norte do Piauí, com cerca de 24 km de praias tranquilas, além da Lagoa do Portinho, rodeada por grandes dunas brancas. O lugar é ponto de encontro para competições de lanchas, windsurfe e jet-ski. No centro da cidade, a atração fica por conta das antigas igrejas e casarões dos séculos 18 e 19 – como a Casa Inglesa, datada de 1814 e o centro turístico denominado de Porto das Barcas. Outra cidade que se destaca no estreitíssimo litoral piauiense é Luís Correia, também ponto de parada no Delta e com o maior número de praias da região (com destaque para a tranquila Praia do Coqueiro), além de quatro lagoas e o único porto marítimo do Estado. E para quem quer conhecer mais desse pedaço do Piauí, há também Cajueiro da Praia, cidade perfeita para quem gosta de praias desertas. Os destaques são Barra Grande e Barrinha, onde, no começo da tarde, é possível caminhar mais de 60 metros mar adentro e aproveitar as piscinas naturais formadas com a baixa da maré. Cajueiro da Praia abriga ainda uma base do Projeto Peixe-Boi, espécie ameaçada de extinção. É possível também fazer roteiros para conhecer cavalos-marinhos. Já Ilha Grande é a maior ilha do Delta do Parnaíba e oferece aos visitantes a Pedra do Sal, onde existem lagoas de águas claras, morros, dunas e uma praia com ondas bem fortes. Quem quiser se aventurar nos esportes aquáticos encontrará em Ilha Grande uma boa alternativa para a prática dessas atividades. O Mirante, com uma estátua de Nossa Senhora dos Pobres vinda da Itália, proporciona uma das melhores vistas da região. O artesanato da cidade também é famoso: as rendas produzidas ali ganharam prêmios internacionais. Na culinária a grande estrela do local é o caranguejo, abundante nos manguezais que circundam a ilha. A culinária típica da região do Delta é toda à base de peixe, camarão e, principalmente, do caranguejo. Parnaíba é o maior exportador do crustáceo do País. Não é para menos que os restaurantes de Parnaíba incluem o caranguejo em quase todos os pratos oferecidos. O Delta do Parnaíba tem acesso restrito, feito apenas de barco pelos rios da região e através de uma trilha na mata fechada. A viagem dura, em média, cerca de quatro a cinco horas, com tempo bom e condições calmas de navegação. Devido à sua posição geográfica, a vegetação ficou praticamente intocada, permanecendo em estado primitivo. A sombra dos coqueirais, o vento constante e a temperatura da água fazem do Delta um local perfeito para quem quer curtir a natureza. Assim, o meu objetivo foi fazer um safári fluvial, com observação de fauna e flora específicas do mangue. No percurso, descobri praias de areia clarinha e águas transparentes, ilhas desertas e algumas outras surpresas. O passeio começou com a embarcação deslizando pelas águas calmas dos igarapés da Ilha das Canárias até chegar a um trecho onde os riachos se estreitam, não permitindo a passagem de embarcações maiores que uma canoa. A paisagem dos manguezais, fartos de árvores gigantes, com exemplares da Mata Atlântica e até da Amazônia, impressiona pela biodiversidade. Lancha atracada, embarquei numa pequena canoa, manejada pelos próprios moradores do Delta. Depois de algum tempo percorrendo igarapés e contemplando uma mata fechada que muito se parece com uma selva alagada, o guia chamou a atenção para um grupo de coloridos caranguejos que corriam pela lama do mangue e desapareciam como mágica. Alguns segundos se passaram, para minha surpresa, os crustáceos relaxaram e deixaram as tocas. Logo mais adiante, o canoeiro apontou para um casal de gavião, da espécie caramujeiro, que estava nas altas raízes do mangue, em busca de alimento, farto nessa área desabitada. A canoa seguiu viagem revelando uma paisagens surpreendentes. Poucos minutos depois, é um grande sapo de cor amarela fluorescente que surge imóvel grudado a uma folha. E assim fica como se estivesse à espera de uma presa. Quando menos se esperava, ouvia seu ruído vindo do alto das árvores. Eram alguns macacos de duas espécies, prego e bugio, que agitam a floresta pulando de galho em galho, como se estivessem avisando ao bando maior que havia gente no seu habitat. Confesso que fiquei boquiaberto com tamanha vida selvagem, fato pouco comum no litoral nordestino. Daí em diante foram momentos divertidos, que me permitiram poder ver as acrobacias e ouvir os gritos histéricos dos primatas que ali vivem em paz com o homem local no mangue e com os raros visitantes que, felizmente, sabem respeitar o habitat deles. Para conhecer esses nichos em pleno Delta, é preciso, além de disposição, ter espírito aventureiro e contratar uma agência local para se embrenhar pelos estreitos igarapés sem correr perigos típicos de um ambiente selvagem. Recorri à agência Aventur, com sede em Parnaíba e coordenada pelo ambientalista Joca Vidal, que tem uma estrutura especial para colocar em prática um safári seguro e inesquecível.
REVOADA DOS GUARÁS:
Depois do adorável contato com os primatas, fomos almoçar no restaurante Recanto dos Pássaros, na Ilha das Canárias, lugar de uma beleza comovente. A refeição à base de peixe, camarão, caranguejo e muitas frutas, é deliciosa. Aproveitei para mergulhar nas águas mornas e calmas da praia formada naquele ponto e que mistura água doce e salgada, conforme se caminha para um lado ou outro. O passeio prosseguiu com destino à Ilha dos Poltros, já no Oceano Atlântico, um lugar fantástico, repleto de dunas de areia branquinha de doer a vista e que, de tão altas, se tornam irresistíveis a uma escalada para apreciar a paisagem bucólica do mar. O lugar é inóspito, mas tive a sorte de presenciar um barco de pescadores voltando do alto mar. De longe, mostraram imensos peixes que lotavam a embarcação. Tive vontade de ficar ali, contemplando a natureza bela e selvagem. No entanto, o guia turístico e professor Cláudio Reno me deu um excelente motivo para seguir viagem: era hora de apreciar a revoada dos guarás vermelhos que retornam para dormir sob as árvores dos manguezais, o ponto alto do safári no Delta. O convite foi uma oportunidade única para testemunhar a rotina diária desses grandes pássaros encarnados, uma das experiências mais encantadoras do passeio. É difícil descrever, pois tudo acontece muito rápido. Em bandos, eles vêm e pousam rapidamente. O que chama atenção é a quantidade de pássaros que fazem um voo rasteiro sob a cabeça dos visitantes. Chegam de todos os lados e pairam nas margens ou nas árvores dos mangues. Quando, enfim, vem o crepúsculo transformando o céu numa aquarela, perfeita de cores fascinantes, o guará sossega para dormir. Surge, então, a primeira estrela anunciando que o sol se foi e é hora de voltar para terra firme. De volta a Parnaíba, tive a certeza de que conheci um dos lugares mais fantásticos do Brasil.
Por: Viaje Mais / André Pessoa
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