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1/30/2013

As maravilhas do maravilhoso reveillon no litoral do Piauí


Imagem de arquivo - Proparnaiba.com
Desabafos de uma noite frustrante.  Em 2012, pela décima-oitava vez nos meus quase quarenta e dois anos de vida, passei a noite de reveillon  no litoral do Piauí, onde resido atualmente. Confesso de imediato que não alimentava grandes expectativas. Minhas dezessete experiências anteriores me credenciam a ser um pessimista quando ao que deveria esperar no que se refere a atrações em Parnaíba e Luís Correia na virada de ano. Mas, apesar do que podem pensar alguns – ou muitos, crítico ferrenho que sou dos rumos do turismo no nosso litoral, ainda tento ser otimista, mesmo contra todas as chances e do universo parecer conspirar para que nada dê certo.
Às 19:30h do último dia 31 de dezembro, a convite de um amigo, fui com minha esposa para a casa de veraneio do pai deste, na praia de Pedra do Sal. Éramos ao todo oito pessoas. Eu não havia me feito presente na festa da virada de 2011 para 2012, o que, como foi largamente divulgado, foi belíssima e um tremendo sucesso de público e derenda para as dezenas de pequenos comerciantes e prestadores de serviço daquele distrito. Sendo assim, imaginava encontrar algum atrativo, mesmo que mais modesto. Veio aí minha primeira frustação. Desta vez, não havia nada. A praia estava deserta. Nem um reles carro particular com as portas abertas e o som automotivo tocando o últimohit-bobagem do Latino.
A conversa com os demais convidados, inclusive um italiano em férias no Brasil, e o dono da casa, seguia agradável, regada a quantidades moderadas de cerveja, devido o endurecimento da lei seca. Eu, pessoalmente, muito raramente ingiro álcool, o que me fez limitar-me ao refrigerante. O assunto da inexistência de um evento na praia de Pedra do Sal rapidamente se tornou dominante. A explicação logo surgiu e foi aceita de forma unânime – algo a ver com política. Declino aqui da tentação de expô-la, pois abriria uma frente de discursão que mereceria outra crônica. Mas o leitor, se tiver um mínimo de discernimento, já deve supor qual é. Os proprietários dos bares da orla da praia se cotizaram e contrataram um grupo musical para animar os poucos clientes que pude antever ao longe – a casa se localiza a uns 150m da praia em si, mas a qualidade do som que me chegou aos ouvidos demonstra que pouco puderam fazer.
Por volta das 21:00h, o grupo que acompanhávamos resolveu dar um basta no que considerava uma pasmaceira e anunciou que iríamos voltar a Parnaíba para de lá irmos a Luís Correia festejar a chegada de 2013 na praia de Atalaia. A divulgação na TV na última semana do ano dava conta de que haveria uma queima de fogos à meia-noite e um trio elétrico animando a festa até o amanhecer. Fiquei um pouco temeroso, pois conheço a limitada capacidade da infraestrutura da Atalaia para receber grandes multidões transportadas por centenas ou milhares de carros. Mas meu coração mole não é capaz de negar um pedido de minha amada esposa, principalmente estando ela grávida do nosso primeiro filho.
Horas mais cedo, ao telefonar para a minha família em Teresina, um dos meus irmãos me informou da ocorrência do que ele chamou de “debandada” de carros vindos do litoral em retorno à capital, temerosos, por certo, de decepções como as de anos anteriores. Considerei então que talvez não enfrentasse um mastodôntico engarrafamento nas vias de acesso à praia, tal como já havia ocorrido na virada de 2010 para 2011, quando, por questão de minutos, não comemoramos o reveillon dentro do carro. Veio aí minha segunda frustação. Apesar de menor, o engarrafamento estava lá, e por muito pouco não trocamos nossos votos de feliz 2013 sentados nos bancos do carro. Até aquele momento não encontramos nenhum guarda de trânsito ou mesmo um policial comum que pudesse tentar dar alguma impressão de ordem àquela massa de veículos – somente muito depois, um solitário PM motociclista apareceu e tentava, num esforço quase inútil, desviar o fluxo para uma rua paralela.
Após a sufocante peregrinação para encontrar um cantinho onde estacionar – surpreendentemente, sem a praga dos irritantes flanelinhas, e quase na hora “h”, chegamos finalmente à praia, num ponto distante do trio elétrico, e pudemos pisar a areia, fofa perto da avenida e firme após a linha dos bares e até a beira da água. Havia dezenas, talvez centenas de carros na praia – não era proibido? Muitos tinham sistemas de som potentes e faziam “racha” para ver quem tocava mais alto. Milhares de pessoas se divertiam ouvido os mais variados ritmos musicais, aparentemente sem correr riscos ao transitar entre os carros, alguns em movimento, beneficiados pela abundância de espaço proporcionada por uma maré excepcionalmente baixa – não tenho nenhum receio em arbitrar cerca de 200m de areia entre os bares e a linha d’água. A meia noite se deu como mandava o figurino: abraços, beijos, troca de votos de um ano novo com saúde e paz, orações e as sempre presentes, e nem sempre cumpridas, promessas de ano novo.
Veio aí minha terceira frustação. Meus companheiros e eu desejávamos tomar alguma coisa, mais especificamente cerveja e água. Dai descobrimos que os bares estavam, em quase a sua totalidade, fechados. Fechados numa noite de reveillon com milhares de pessoas na praia. Os “empresários” não se deram ao trabalho de abrir seus estabelecimentos e faturar com o evento. É claro que nem todos agiram assim. No início da orla havia um bar aberto e pude discernir ao longe mais uns quatro, próximos ao trio elétrico. Na avenida uma sorveteria foi convertida em ponto de venda de bebidas, onde pude matar minha sede. De quebra, os banheiros públicos estavam todos fechados a chave.
Não sei se por isso, antes da uma da madrugada a praia sofreu um súbito esvaziamento. As pessoas debandaram como se estivessem com pressa de chegar a outro compromisso. De nossa parte, também resolvemos de comum acordo ver o que a praia do Coqueiro nos reservava. A chegada ao carro e o acesso à estrada se deu sem nenhum problema. A vaga de estacionamento que tanto nos custou encontrar se encontrava agora com muitos metros de folga até o carro mais próximo e não havia mais congestionamento.
Pusemo-nos na estrada. O trânsito estava carregado nos dois sentidos, mas fluía sem problemas. Uma grande quantidade de pessoas parecia ter tido a mesma ideia nossa, fazendo com que uma longa fila de carros tomasse a direção do Coqueiro. Ironicamente, a mesma quantidade teve a ideia contrária: a pista de retorno tinha o mesmo movimento.
Ao chegarmos ao distrito, tomamos a direção da praça da igreja. Estava começando a me animar, pois não havia congestionamento. Ledo engado. Veio aí minha quarta frustação. Menos de um quarteirão após a praça, os carros “se atulharam”. Quase não podíamos nos mover.
Havia muito menos veículos que na Atalaia, é certo, mas o distrito do Coqueiro tem o arruamento confuso, mal sinalizado e com vias estreitas. Resultado: num dado momento, numa rua em que mal pode passar um carro de cada vez, estava eu parado com uns doze carros atrás do meu, outros tantos em sentido contrário à minha frente e mais outros chegando por uma via lateral – o primeiro caso de engarrafamento triplo em que eu estava presente, e desta vez sem nenhum policial solitário por perto. Aliás, não vi policiamento em momento algum. Conseguimos desatar o “nó” depois de quase meia hora de muita conversa, marchas a ré e paciência. Graças a Deus não havia ninguém mais alterado ou que tivesse tomado umas a mais.
Finalmente estacionamos – incrível, sem flanelinhas, e descemos para a areia, na altura do “Bar do Preto”. Em muitas casas se desenrolavam festas particulares, mas, como não fomos convidados para nenhuma, procuramos algum bar aberto. Para meu alivio, a maioria estava funcionando. No de nossa referência acontecia uma apresentação de uma conhecida banda de reggae local. Mas era pago. Preço da entrada: R$ 30,00. Ora, duas noites antes, tínhamos ido a um show de forró-pop de uma banda de renome nacional por R$ 40,00. Não gosto do estilo do forró – prefiro pé-de-serra. Fui para agradar minha esposa, que é fã. E de reggae gosto menos ainda. Não me sentia então nada confortável em dispender tal quantia. Para meu alívio, meus companheiros compartilhavam do meu indispor e ficamos por ali mesmo, aproveitando a brisa e a companhia uns dos outros.
Infelizmente, a calmaria durou pouco. Começou a chover – tchau chapinha das moças. A chuva era pouco mais que um sereno, mas foi a gota d’água para que se decretasse o fim da malfadada noite e o retorno a Parnaíba. Chegamos aos carros sem problemas e nos pusemos em marcha.
Às três e meia da madrugada chagamos em casa, eu já me conformando com um final de noite em meios aos lençóis e talvez procurando um filme na televisão – estava sem sono. Veio aí minha quinta frustação. Estava faltando energia. O que fazer agora? Bem, como alguém já disse, quando se está em grupo, tudo é motivo para festa. Pegamos a carne que havia na geladeira, o carvão do depósito e fomos fazer churrasco. Aliás, o primeiro churrasco a luz de velas de que tenho notícia – lembrete: comprar urgentemente uma lanterna. A churrasqueira teve de ficar embaixo da minha garagem, devido ao chuvisco que teimava em cair, e fiz uma descoberta interessante, brasas de carvão não servem para iluminar.
Por volta das 7:30h da manhã a energia foi restaurada. Nossos amigos foram para suas casas e finalmente pudemos dormir, felizmente sem uma sexta frustração.
Por que estas coisas acontecem no nosso litoral? Ou melhor, por que continuam acontecendo? Entra ano, sai ano, entra governo, sai governo, e os mesmos problemas se repetem. Por que não aprendemos com nossos erros? Em regiões de turismo avançado, como Paris, na França, o problema é o esgotamento da capacidade de crescimento devido a um fator inusitado, simplesmente não há onde construir novos hotéis e não há novos destinos a serem explorados. Não podem receber mais turistas porque não têm o que fazer por eles. Não há onde hospedá-los e como entretê-los – vale dizer que a cidade de Paris recebe por ano 1,3 vezes mais turistas do que a população da França. Um problema que todo destino turístico sonha ter um dia, enquanto que em nosso litoral ainda estamos preocupados com falta de energia, água, combustíveis nos postos, dinheiro nos caixas eletrônicos, telefones convencionais e celulares que funcionem e até mesmo pão nas padarias.
Em Parnaíba, o campus da UFPI oferece cursos de Economia e Turismo. Contudo, raríssimas vezes os gestores das quatro prefeituras do litoral procuraram o Departamento de Ciências Econômicas para propor parcerias, firmar convênios, solicitar consultorias ou outras formas de colaboração academia/poder público para elaborar planos de desenvolvimento na área de turismo ou em qualquer outra área. No turismo, a situação é ainda pior. Nunca houve contatos de qualquer ordem. A lógica simples indica que as secretarias municipais de desenvolvimento econômico ou equivalentes e as de turismo deveriam estar repletas de estudantes de economia e turismo fazendo estágios ou acompanhando projetos, além de professores elaborando estes projetos e prestando consultoria. Infelizmente, não é o que acontece. Por quê? A meu ver, não há outra explicação: desinteresse puro e simples – outro motivo seria a incompetência dos gestores, mas eu estaria pisando em terreno minado, mesmo às vezes não estando teorizando erradamente.
Melhor sorte no próximo reveillon.

Prof. Moacyr Ferraz do Lago
Mestre em Economia
Especialista em Turismo
Professor efetivo do Departamento de Ciências Econômicas e Quantitativas da UFPI-Parnaíba
*Fonte:proparnaiba.com

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